Conquista
Estudantes deficientes visuais são aprovados em universidades públicas de Pelotas
Alunos da Escola Louis Braille, Santiel Frank e Luis Pedro Gonçalves contam como superaram as limitações para ingressar nos cursos superiores.
Foto: Volmer Perez - DP - Os dois rapazes eram amigos e se conheceram durante as atividades realizadas na Louis Braille
Dois estudantes que têm deficiência visual foram aprovados no ensino público superior em Pelotas. Os alunos Luís Pedro Gonçalves e Santiel Frank, ambos frequentadores do Departamento de Apoio Educacional Especializado (DAEE) da Associação Escola Louis Braille, ingressaram na faculdade via Sisu (Sistema de Seleção Unificada), após terem feito a prova do Enem no fim do ano passado. Os dois rapazes eram amigos e se conheceram durante as atividades realizadas na Louis Braille.
O mais velho é Luís Pedro Gonçalves, de 23 anos. Ele foi aprovado para Licenciatura da Computação no Instituto Federal Sul-rio-grandense (IFSul), e inclusive, já iniciou as aulas. Ele frequentou os atendimentos de Apoio Especializado de Matemática e AEE focados na intervenção especializada de preparação para o processo seletivo e apoio complementar à sua escolarização no Colégio Municipal Pelotense. Luís Pedro começou a trajetória escolar ainda em Jaguarão, onde nasceu. Se alfabetizou em braille, lendo e escrevendo no sistema tátil. Mora em Pelotas há dez anos, onde concluiu o ensino regular, se formando em magistério no Pelotense.
O segundo menino é Santiel Frank, de 20 anos. Ele foi aprovado em Agronomia na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e aguarda o começo do semestre, em abril. Ele frequentou os atendimentos de Apoio Especializado de Química e Matemática focados no processo seletivo e ainda no apoio complementar a sua escolarização na Escola Estadual de Ensino Médio João Simões Lopes Neto. Natural do interior de Pelotas, na localidade Picada Carlos, no 6º distrito, concluiu o ensino fundamental na Escola Alberto Rosa. Santiel Frank não é alfabetizado em braille, portanto escreve em letra de forma e usa caderno com linhas ampliadas, dependendo de alguém que leia para ele.
Interesse pela computação
Luís Pedro comenta que nem sempre teve certeza do curso que queria. Em certa época, quando costumava tocar violão, o jovem se interessou pela música. Com o tempo, descobriu que a área não o agradava completamente e decidiu seguir um caminho que tinha mais confiança. Ele se encontrou nas aulas de tecnologia da Louis Braille. "Penso que quando a pessoa vê que não é para ser, então não se pode seguir, procurar outra oportunidade. E eu sempre gostei da área da informática, desde quando eu comecei as aulas no "Mariana" (primeira escola), eu utilizava o computador", enfatizou o aluno. O rapaz aproveita para opinar sobre um tema inerente à área da informática com acessibilidade para aqueles que ainda não são alfabetizados em braille. "Tenho o hábito de dizer: eu utilizo o sistema braille, de escrita e leitura para a pessoa cega, mas tem que se trabalhar o computador e o braille, os dois em conjunto. Algumas pessoas não concordam com isso, mas eu respeito", considera.
Lágrimas de satisfação
Ao contrário do parceiro, Santiel ainda não iniciou as aulas da faculdade de Agronomia. De qualquer modo, o menino conta que já está preparado para fazer o deslocamento diário até o Campus da UFPel, no Capão do Leão. O sentimento de ansiedade e felicidade é tamanho que não contém as lágrimas ao recordar dos momentos em que cogitou desistir pelas dificuldades oriundas da limitação que tem, e que em virtude do apoio irrestrito dos pais, não deixou a insegurança tomar conta. Mais envergonhado para falar, expressa através da emoção a alegria de superar desafios. "Entrei no ensino médio desmotivado, né? Eram aulas remotas, tudo pelo computador e pensei que não ia conseguir. Aí o pai dizia: 'tu vai conseguir'. Dei orgulho ao meu pai e minha mãe", expõe Santiel, emocionado. A pandemia foi um período muito complicado para ele, já que tudo era feito via online, e isso dificultava o entendimento das atividades. No fim das contas, tudo deu certo e a conquista chegou. "Penso que, mesmo na minha baixa visão, eu posso tentar ajudar os outros", disse o menino, que sonha em se profissionalizar na área de ciências agrárias.
Luta constante e seus frutos
A mãe do Santiel, Márcia Andréia Frank, de 42 anos, fica muito feliz com a conquista do filho, principalmente por causa das adversidades enfrentadas por ele e pela família. "É um orgulho. A gente mora no interior e nunca tinha passado pelo que a gente está passando. É um dia de cada vez, a gente sabe da batalha que tem", disse Márcia. Segundo o que relata a mãe, existem momentos mais complicados que outros, especialmente quando faltam professores especiais e auxiliares para o menino. "Tem que correr atrás para conseguir, seguindo em frente", concluiu.
A mãe de Luís Pedro, Louise da Rosa, 43 anos, que inclusive leciona na Escola Louis Braille, o sucesso acadêmico do garoto já é uma vitória por si só e que o sentimento de persistência tem que estar ativo sempre. "No caso do Luís Pedro, às vezes eu tenho mais vontade de desistir do que ele, porque ele sempre quis estudar mesmo com todas as barreiras que enfrenta", enfatiza a mãe. "A gente sabe que a pessoa com deficiência tem suas limitações, mas a sociedade acaba impondo outras limitações que fogem das deficiências. Isso faz com eles se desestimulem e muitos não chegam onde eles chegaram."
Exaltação da escola
Para a professora Ana Berenice Reis, diretora pedagógica da Louis Braille, é uma satisfação imensa para a escola ter exemplos como o Luís Pedro e o Santiel. "Isso deveria ser o normal, uma vez que são pessoas que apresentam determinados atributos que a maioria não apresenta, mas isso não os torna menos capazes. Pelo contrário, são pessoas que dedicam uma vida inteira estimulando os demais sentidos remanescentes para superar as barreiras e obstáculos que o próprio cotidiano apresenta para eles", observa a professora. "São pessoas extremamente inteligentes, competentes, dedicadas e que sabem utilizar recursos que facilitam o seu desenvolvimento educacional e certamente serão excelentes profissionais."
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